Essa pergunta não sai da minha cabeça desde a segunda vez que ele me perguntou:
- Onde está o seu coração?
Acho que está aqui no meu peito, batendo, graças a Deus, pensei de imediato.
- Você só pensa em você, você não liga para ninguém, você não me dá atenção, você simplesmente não se importa.
Fiquei incrédula, que rapaz sincero. Nunca tinham me dito essas palavras assim, tão claramente. Permaneci imóvel no banco carona do carro, com a mão na maçaneta da porta, pronta para abrir. Queria sair dali o mais rápido possível, sem nem olhar para o lado. Ele confundia a minha cabeça. Afinal, não foi eu que sumi por dias seguidos e apareci como se nada tivesse acontecido.
- Você não vai falar nada?, disse.
- Eu não, falei baixinho.
- Te liguei e você não atendeu, falei no MSN, no face e você não me respondeu. Tive que vir em sua casa, você sai com esses olhos inchados, com essa cara de choro e não tem nada para me dizer?, falou exaltado.
- Você quer realmente saber por que eu estava chorando? Porque não te atendi quando ligou?, falei em um tom severo.
- Sim, preciso. Você desperta coisas estranhas em mim, um magnetismo, uma vontade de te ter perto. Mas, você é tão misteriosa, tão segura de si que eu não sei como agir ao seu lado. Preciso de algumas explicações para saber como lidar com você, disse calmamente.
Fiquei sem graça, mas nesse momento, eu estava mais preocupada em contar as janelas do meu prédio, as árvores do jardim e tentando contar os quadrinhos do playground. Tenho essa mania ridícula, mas consegui prestar atenção no que ele dizia.
- Eu estava chorando, porque abri sem querer um baú de recordações, revi coisas que não estava preparada para ver e chorei. Chorei por mim, pelas pessoas, pela vida. Chorei por tudo e, no auge da minha tristeza você ligou. Não queria te atender, nem te ver. Não só você. Não queria ver ninguém, só me recolher e pensar na vida, buscar soluções para os meus conflitos. E daí você chega aqui, descarrega isso tudo em mim, como se a gente fosse alguma coisa, me cobrando o que eu não posso te dar agora.
- Você estava chorando por outro homem?, falou de imediato.
- Não especificamente, estava chorando por algumas feridas abertas, algumas coisas que eu deixei guardadinhas num canto e, inexplicavelmente, pularam no meu colo num dia que eu não estava preparada para recordá-las. Não sei se você vai entender. Mas, foi isso...
- Então, você gosta de alguém?, perguntou cauteloso.
- Não especificamente, sinto falta de algumas pessoas, mas gostar como você está falando não, falei, ao mesmo tempo que me perguntava se realmente não estava gostando de alguém. A resposta foi negativa.
- Esperava que você dissesse que gosta de mim...
- Eu gosto de você, respondi automaticamente.
- Mas, você disse agora que não está gostando de ninguém, pontuou.
- Você está confundindo a minha cabeça, falei tentando acabar o assunto.
- Você está fugindo da resposta, me criticou.
- Mas a gente mal se conhece...
- E eu já estou apaixonado por você.
Eu e minha capacidade de ficar sem graça, com vontade de correr quando as pessoas falam o que eu não quero e não posso ouvir.
- Tenho que entrar, depois conversamos, eu disse quase sussurrando.
- Antes de você ir, me diga. Seu coração, já que está vazio, quer ser ocupado?.
Respondi como eu nunca imaginei ter coragem de falar, pois tenho uma necessidade idiota de agradar as pessoas e tentar dar a elas o que elas querem. Mas, depois de alguns tropeços comecei a pensar mais em mim e decidi me colocar na frente de tudo dessa vez:
- Ainda não, me desculpe. Abri a porta e ameacei descer do carro.
- Ei, espera, pediu.
Me voltei, recebi um beijo na testa e um desejo de boa sorte. Agradeci, desci do carro e caminhei em direção ao apartamento, mais leve do que nunca, com o sentimento que fiz a coisa certa, agi corretamente com ele e, principalmente, comigo. Se ficasse, cometeria os mesmos erros passados, e isso eu não quero mais.